terça-feira, 3 de novembro de 2009

Segurança e condições de trabalho nas plataformas de petróleo da bacia de campos

Área: Ergonomia e Segurança do Trabalho
Key-words: security and work conditions; work precarization; oil platforms offshore
1 - Introdução
Ao descrever o trabalho dos petroleiros em refinarias e terminais marítimos
FERREIRA e IGUTI (1996) procuram aprofundar e detalhar quatro de suas principais
características: um trabalho perigoso, complexo, contínuo e coletivo. A nosso ver estas
também são características marcantes no trabalho dos petroleiros em plataformas offshore.
Não que consideremos uma plataforma como sendo uma refinaria em alto mar, visão que
remonta ao início das operações na Bacia de Campos, quando a maior parte dos
trabalhadores não detinha ainda um entendimento mais preciso acerca do funcionamento de
uma plataforma, em que “não se sabia nem o que era uma plataforma”, como afirmou um
engenheiro que atuou no período inicial das operações na Bacia. Mas por constatarmos que
tais aspectos aparecem de modo pronunciado em estudos como o de PESSANHA (1994) e
CHOUERI (1991), por exemplo.
As autoras citadas acima iniciam a discussão pelo aspecto relacionado ao perigo que
envolve esta atividade, ao alto risco a que estão expostos os trabalhadores, pois
“Se há um consenso entre todos os que trabalham com o petróleo, seja numa
refinaria ou num terminal, é a noção de perigo.
‘Em uma refinaria de petróleo, a gente costuma dizer que trabalha em cima de
uma bomba. É uma bomba pior do que muita gente pensa...’ (fala de um petroleiro)
Em primeiro lugar, há o perigo de incêndios e explosões, que podem acontecer a
qualquer momento, inesperadamente...” (FERREIRA e IGUTI, 1996, P.82).
Não são raros os depoimentos de petroleiros que deixam transparecer
representações das refinarias e plataformas associadas a ‘bombas’ ou ‘barris de pólvora’ que
podem explodir a qualquer momento, a ‘vulcões’ que podem entrar em erupção
repentinamente etc. O perigo é, inclusive, reconhecido legalmente pela NR-16 em seu
anexo 2. Esta prevê o pagamento de adicional de periculosidade (no valor de 30% do
salário-base correspondente) aos trabalhadores que se dedicam a “atividades ou operações
perigosas com inflamáveis”, muito embora deva-se ressaltar que o pagamento de adicionais
deste tipo seja objeto de inúmeras críticas. Apenas julgamos oportuno sublinhar a existência
de algum tipo de reconhecimento formal em relação ao perigo embutido nesta atividade.
Há também os riscos de grandes vazamentos de produtos com alta toxicidade que
podem ocasionar acidentes graves e fatais, como é o caso do ácido sulfídrico. E se estes são
raros, os pequenos vazamentos , ao contrário, são muito freqüentes. É amplo o leque de
produtos tóxicos, cuja inalação pode gerar danos variados à saúde: benzeno, tolueno,
xileno, ácido sulfídrico, amônia, GLP, monóxido de carbono etc. Ou seja, os vazamentos
corroboram a constatação de que o trabalho com o petróleo é não só muito perigoso como
bastante insalubre. Combinam-se alta periculosidade e insalubridade, pois além do risco de
incêndios, explosões e vazamentos, existe uma série de outros, como ruídos elevados,
excesso de calor, regime de trabalho em turnos, riscos de acidentes diversos e as
repercussões destes fatores a nível mental (FERREIRA e IGUTI, 1996).
Por isso também concordamos com SEVÁ FILHO (1997), quando este afirma em
epígrafe que “o risco é inerente” à indústria do petróleo com seus sistemas complexos,
verdadeiras materializações de tecnologias de alto risco:
“O risco técnico é algo intrínseco, e muito característico da indústria do petróleo
- isto porque é atacada a epiderme da terra, interferindo com a geomorfologia e a
mecânica do subsolo, inclusive do subsoslo marinho; - porque se trabalha com
hidrocarbonetos que evaporam, se incendeiam, explodem, com compostos químicos que
contêm ou se transformam em substâncias tóxicas para os homens, sua água, seus
alimentos; - porque são operadas máquinas e sistemas que podem desencadear acidentes
poderosos, que podem matar e ferir várias pessoas ao mesmo tempo.”
Além de serem riscos intrínsecos e variados, ele acrescenta que estes são cada vez
mais coletivos, porque os efeitos deletérios da atividade petrolífera tendem a se ampliar,
atingindo, por vezes, além dos trabalhadores mais diretamente envolvidos no processo, os
funcionários administrativos, e até mesmo a população habitante das regiões circunvizinhas.
No caso das plataformas offshore, certamente a noção de perigo também é
consensual, ou se preferirem o risco também é algo inerente. Com o agravante de que nesta
situação se está confinado/isolado.
Com efeito, em se tratando do trabalho offshore, às quatro características apontadas
acima acrescentaríamos uma quinta, bastante singular: o regime de
confinamento/isolamento. Confinamento, porque durante quatorze dias seguidos, ao
término do turno diário de doze horas os trabalhadores não retornam às suas residências.
Residem na própria plataforma. Seu local de trabalho passa a ser também seu local de
moradia. Ficam então expostos ao risco vinte e quatro horas por dia, ao longo de todo o
período em que permanecem embarcados. E isolamento, porque as plataformas encontramse
situadas em alto mar, dificultando não só a remoção das pessoas, em casos de acidentes,
distúrbios ou anomalias que demandem um atendimento em terra, como também o
abandono do local, na hipótese mais remota de ocorrência de acidentes ampliados, como o
de Enchova em 1984. Este acidente vitimou 37 trabalhadores nesta plataforma (PCE-1),
quando uma das “baleeiras” utilizadas durante a operação de abandono despencou no mar.
Portanto, os fatores associados ao confinamento/isolamento característicos do trabalho
offshore terminam funcionando como agravantes do risco que é inerente à atividade
daqueles que trabalham com o petróleo.
2 - O Caso da Plataforma Central de Enchova (PCE-1)
Importante frisar desde já que não é nossa intenção chegar a uma quantificação do
risco nas plataformas de petróleo. Isto justificaria, no mínimo, a elaboração de outro artigo.
Esta tarefa foi desenvolvida por FAERTES (1994) em seu estudo “sobre um critério de
aceitabilidade de riscos para plataformas marítimas de petróleo”. Ela propõe como risco
máximo aceitável para as unidades (plataformas) em uso, o valor de (1/10000)/ano (óbito
de 1 trabalhador a cada 10000 expostos por ano), e de (1/100000)/ano para as novas
unidades. Tomando por base estes valores, FREITAS et alii (1997) concluem que o quadro
vigente é extremamente preocupante. Em análise recente dos acidentes de trabalho nas
plataformas da Bacia de Campos, divulgada sob a forma de relatório preliminar, chegam a
uma estimativa de risco de (6,3/10000)/ano, isto é, uma taxa 6,3 vezes maior que aquela
aceitável para plataformas em uso. Isto excluindo-se os acidentes fatais ligados às atividades
de mergulho e de transporte, que, se incluídos, elevariam esta taxa para (1,88/1000)/ano, ou
seja, 18,8 vezes maior que a aceitabilidade técnica proposta. Sabemos, no entanto, que estes
valores devem ser relativizados em função das próprias limitações de tal conhecimento,
ressalva feita pela própria autora na conclusão da referida tese.
Um dos casos mais críticos é justamente o da Plataforma Central de Enchova (PCE-
1), onde ocorreram os dois maiores acidentes da Bacia de Campos. O primeiro em 1984, no
qual vieram a falecer 37 trabalhadores, vítimas da queda de uma das “baleeiras” no mar
durante o abandono da plataforma. O segundo ocorreu em 1988, felizmente sem vítimas
fatais. Provocou a destruição total do convés e da torre, deixando em seu rastro perdas no
valor de pelo menos 500 milhões de dólares, segundo dados oficiais divulgados pela própria
direção da empresa. Ambos foram motivados por “blow outs” (explosões que podem
ocorrer no interior dos poços), porém de acordo com relatórios apresentados após o
segundo acidente pelo Sindipetro e pelo Sindicato dos Engenheiros do RJ, em alguns poços
teriam havido incidentes sintomáticos precursores do “blow out” fatal. Em que pese a
ocorrência de tais eventos antecipatórios a direção de Produção da empresa liberou os
poços para completação e a subsequente entrada em operação (SINDIPETRO NF, 1997a).
Diante de tais acontecimentos era de se esperar que com o decorrer dos anos a
PCE-1 se transformasse em unidade exemplar no que concerne à segurança do trabalho, até
porque esta instalação desempenha um papel crucial dentro de todo o sistema de produção
offshore da Bacia, interligando-se a mais de dez outras plataformas e operando duas das
cinco linhas de escoamento da produção de óleo e gás para o continente. Ao invés disto, na
distribuição feita por FREITAS et alii (1997) dos incidentes/acidentes por plataformas na
Bacia, entre 18/08/95 e 14/04/97, a PCE-1 aparece em primeiro lugar com o índice de 39%.
À título de ilustração fazemos menção a dois destes eventos a seguir.
Em 23 de abril de 1996 houve um princípio de incêndio no riser da linha de gás lift,
após a falha dos sistemas automáticos de detecção de gases, acarretando a interrupção da
produção de óleo e gás por uma hora. Este acidente poderia ter assumido dimensões
catastróficas, já que envolvia uma linha de gás altamente pressurizada. Apenas cinco dias se
passaram e a mesma plataforma foi palco de novo acidente. O óleo vazou pelo “flare”
(queimador de gás situado no alto de uma das torres da plataforma) sendo lançado em
combustão no mar. As válvulas projetadas para desarmarem-se automaticamente
encontravam-se “by passadas” na ocasião do acidente. Foi necessária a evacuação de todo o
pessoal da plataforma para o “flotel” (plataforma destinada exclusivamente à hospedagem
dos trabalhadores) . A produção esteve parada durante quatro dias (SINDIPETRO NF,
1997b; FREITAS et alii, 1997).
A ocorrência destas anormalidades parece não ter sido suficiente para sensibilizar os
responsáveis pela segurança da PCE-1, como evidencia a sucessão de acontecimentos
posteriores: uma inspeção do Ministério do Trabalho (MTb) resultou em autuação da
Petrobrás, decorrente da constatação de infrações a diversas NR’s; novos acidentes com
vazamento de gás verificaram-se ao longo do mesmo ano; a inspeção geral realizada pela
própria empresa no final de 1996 verificou que as válvulas de cabeça de poço, integrantes
do equipamento central de operação, encontravam-se em “péssimas condições, com alto
grau de corrosão...”, concluindo devido a esta e a outras deficiências de ordem operacional
- ligadas à manutenção e lay-out de equipamentos importantes, à formação profissional de
alguns operadores - que a plataforma não estava “operando em boas condições de
segurança”; dois vazamentos de óleo e gás com intervalo de apenas dois dias em janeiro de
1997 em local que já havia apresentado vazamento dois meses antes (SINDIPETRO NF,
1997a ; 1997b). Estes eventos sucessivos atestam o estado de degradação operacional de
alguns setores desta unidade, devendo-se salientar que parte das avarias provocadas nos
poços afetados pelos dois grandes acidentes da década de oitenta (84 e 88) não foram
inteiramente solucionadas. Não por acaso, esta plataforma ficou conhecida entre os
trabalhadores como a “rainha da sucata”.
Ainda com relação à PCE-1, caberia lembrar que estavam em andamento, até
recentemente, as obras de reforma e ampliação desta unidade, acarretando um aumento do
risco de acidentes, fruto da execução de inúmeras tarefas com o emprego de soldas
elétricas, cortes de maçarico, esmerilhamentos etc, e que implicam em um número maior de
trabalhadores de empreiteiras à bordo. Ao todo houve um acréscimo de cerca de trezentos
trabalhadores em relação ao seu contingente habitual, obrigando a Petrobrás a lançar mão
de uma outra plataforma (Safe Jasmínia) utilizada exclusivamente para hospedagem, um
autêntico “flotel”, vizinho à PCE-1.
A nosso ver, a PCE-1, apresenta um conjunto de características estruturais e
conjunturais que tendem a ampliar e agravar os fatores de risco, como, por exemplo, o
maior estado de envelhecimento de seus equipamentos, cuja deterioração gradual traduz-se
em degradação do sistema. Da mesma forma, devemos levar em conta o aumento dos riscos
devido às obras de reforma e ampliação. Em primeiro lugar pelas razões que expusemos
acima. Em segundo, porque se os aspectos ligados à segurança em geral não são
devidamente contemplados nos projetos originais das plataformas, a introdução de
modificações não previstas criteriosamente em tais projetos, visando a ampliação da
capacidade produtiva das instalações, pode acelerar o desgaste mecânico dos equipamentos
(PATÉ-CORNELL, 1993). Além disso, há também os problemas relacionados à interação
dos novos equipamentos instalados com aqueles mais antigos, gerando uma defasagem da
vida útil entre os diferentes componentes do sistema tecnológico, que podem se
transformar, ulteriormente, em fontes de constantes incidentes e acidentes (DUARTE,
1994). Salientamos ainda que, grosso modo, todo o sistema vem sendo pressionado a
cumprir performances de “pico”, com suas unidades operando no limite de seus respectivos
tempos de vida útil e capacidades instaladas.
Frente a este quadro, julgamos razoável afirmar que Enchova insere-se no rol dos
sistemas tecnológicos complexos onde predomina o chamado modo degradado de
produção, que tende a potencializar a grande variabilidade inerente a estes sistemas
tecnológicos (DUARTE, 1994). Com base na linha argumentativa de WYNNE(1988),
PORTO e FREITAS (1997) assinalam que esta combinação entre modo degradado de
produção e elevada variabilidade aos poucos vai se constituindo no modo normal de
operação do sistema. Sua predominância vai, também paulatinamente, comprometendo a
segurança, na medida em que as falhas/anormalidades tidas como “menores” passam a ser
consideradas normais, constituindo o que WYNNE (1988) chama de anormalidades
normais. São fatores que, muitas vezes, encontram-se na gênese de grandes acidentes.
Pode-se tentar alegar que a criticidade em termos de segurança restringe-se a
Enchova, já que esta plataforma é um caso à parte, uma unidade das mais antigas, que está
atravessando um período atípico, com obras em curso etc. Muito embora Enchova pareça
ser o caso mais preocupante, como indicam as estatísticas, a segurança também é um
aspecto problemático em outras unidades. Em verdade, o modo degradado de produção e
as anormalidades normais não se limitam às plataforma mais antigas. A P-20 e a P-25 (que
tive a oportunidade de visitar por um dia em meados de 97) são um ótimo exemplo disto,
principalmente a P-20. Tida como uma das plataformas de “última geração” foi a
responsável pelo segundo maior índice (14,1%) de incidentes/acidentes registrados na Bacia
entre 18/08/95 e 14/04/97 (FREITAS et alii, 1997).
3 - A Redução de Efetivos e a Terceirização de Serviços
Aos fatores apontados até aqui, poderíamos fazer menção a vários outros que vêm
comprometendo a segurança nas plataformas. Em particular, dois merecem destaque: a
redução de efetivos e a terceirização de serviços, especialmente aqueles ligados às tarefas
de manutenção.
Segundo DUARTE (1994), não raro, a redução de efetivos na indústria
petroquímica está calcada numa representação equivocada do trabalho real dos operadores,
pois parte de uma premissa em que a estabilidade e o bom funcionamento são os aspectos
predominantes no curso do processo. Todavia o que as análises ergonômicas demonstram é
que tais processos são marcados por um alto grau de variabilidade e de incerteza, sobretudo
as unidades antigas, onde a degradação é com freqüência um traço característico. Aliás, o
caráter aleatório e imprevisível de alguns eventos é uma característica intrínseca aos
sistemas tecnológicos complexos com suas interações não-lineares (aquelas que, em geral,
não são previstas nos projetos originais de tais sistemas) (PERROW, 1984). Assim, a
representação que se tem da freqüência e do conteúdo das intervenções destes operadores
ao longo do processo não corresponde ao trabalho efetivamente realizado por eles. Em
virtude desta distorção tem havido um subdimensionamento do número de operadores das
equipes em seus respectivos turnos, trazendo conseqüências nefastas para a segurança.
No caso da atividade offshore PESSANHA (1994) ressalta que o número de
operadores embarcados sofreu drástica redução em anos recentes. Ele assinala que entre
1989 e 1992 a redução foi de aproximadamente 30% nas maiores plataformas fixas.
Conforme documento por ele citado, oriundo do Seminário de Tecnologia, Saúde e Meio
Ambiente, realizado em maio de 1991 pelo Sindipetro-RJ, a redução de pessoal ia,
inclusive, de encontro ao parecer emitido por engenheiros de várias plataformas, quando
dos cortes efetuados no período 86/87, onde estes afirmavam que o número de funcionários
que havia permanecido nas plataformas após os referidos cortes seria a referência para tocálas
dentro dos padrões de segurança.
A respeito da terceirização de serviços, cabe frisar de início que malgrado este
processo esteja em franca disseminação na Bacia de Campos, ele não é um fenômeno novo
na indústria do petróleo. Pelo contrário, desde as primeiras décadas deste século
engendrou-se em torno das companhias de petróleo uma extensa rede de produtos e
serviços oferecidos por terceiros, firmas especializadas que se constituíram para difundir as
inovações de seus fundadores (DUTRA, 1996). Na verdade, o que se verifica, de uns anos
para cá, é um recrudescimento destas terceirizações, inclusive em atividades-fins da
Petrobrás.
Com esta ampliação tem prevalecido - não genericamente, pois como já ressaltamos
este processo não é homogêneo (FIGUEIREDO, 1998) - o padrão vigente em outras
indústrias, ou seja, a terceirização enquanto uma estratégia que resulta em precarização do
trabalho. Os dados apresentados pela Gerência de Segurança (GESEG) e por algumas
empresas que atuam na Bacia de Campos, comprovam que a freqüência de acidentes e
mortes é bem superior entre o pessoal contratado em comparação ao pessoal da própria
Petrobrás. Em particular, os números divulgados pelo SESMT da empresa Odebrecht
Perfurações Ltda (OPL) durante o ano de 96, registram que de um total de 68
plataformistas e auxiliares, 33 foram vítimas de acidentes, sendo 23 com afastamento. Por
sinal, este contrato caracterizava-se como uma autêntica subcontratação “em cascata”, pois
a empresa que realmente operava as plataformas era a USEM (SINDIPETRO NF, 1997).
Neste sentido, concordamos com DUTRA (1996), quando este enfatiza que a
articulação do papel das empresas subcontratadas à história do petróleo é um tópico de
pesquisa que “merece indiscutivelmente mais atenção”. Para ele os fornecedores de
equipamentos e serviços figuram como um quarto agente - além das multinacionais do
petróleo, dos países produtores e dos consumidores.
A terceirização também tem contribuído para o delineamento de novas
configurações no interior do movimento dos trabalhadores. SEVÁ FILHO (1997) cita
“criações polêmicas” como O Sindicato dos Trabalhadores Offshore no Brasil (Sindtob,
região norte fluminense) formado pelos petroleiros que não são funcionários da Petrobrás, e
a cisão dentro do Sindipetro RJ, dando origem recentemente ao Sindipetro NF. É
importante frisar que a terceirização, em certa medida, articula-se com a redução de
efetivos, pois esta vem sendo acompanhada de uma crescente terceirização de várias
atividades operacionais, como é o caso da manutenção que apresenta um alto índice de
acidentes (FREITAS et alii, 1997).
Como dissemos anteriormente (FIGUEIREDO, 1998), a reestruturação produtiva
também não poupou a indústria offshore no Brasil, e em particular a Bacia de Campos. A
nosso ver a redução de efetivos e o recrudescimento das terceirizações se inserem no bojo
de um conjunto de mudanças que, pela forma com que vêm sendo implementadas e
conduzidas, têm resultado em precarização do trabalho, com efeitos danosos para a
segurança e as condições de trabalho. Aqui também a reestruturação produtiva mostra sua
face conservadora.
Frente a este quadro, a morte de um mergulhador ocorrida em março de 1997 no
campo de Piraúna, Bacia de Campos, acabou funcionando como último estopim para que a
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) instaurasse a 23 de abril do
mesmo ano uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), presidida pela deputada Miriam
Reid, para apurar a falta de segurança e condições de trabalho nas plataformas petrolíferas
do RJ. Desde então nos foi possível ter acesso a um conjunto de materiais (relatórios e
depoimentos) valiosos, complementares àqueles de cunho mais acadêmico.
Segundo depoimento do Gerente de Segurança da Bacia de Campos a esta CPI em
11/09/97, os investimentos por parte da Petrobrás nesta área aumentaram nos últimos anos.
Mesmo assim, como vimos, o quadro atual parece ainda estar muito aquém do desejável. As
razões são variadas e algumas delas já foram explicitadas. Outras, por serem bastante
complexas, serão apenas apontadas posteriormente. Contudo, acreditamos que para se
chegar a uma alteração substancial deste quadro seria fundamental esta gerência assumir
em primeiro lugar que se os riscos são extremamente variados e intrínsecos à indústria do
petróleo, talvez o trabalho de concepção e implementação das políticas de segurança deva
passar por uma profunda reformulação, deva receber investimentos bem mais expressivos.
De forma sucinta, “já que o risco é inerente, o cuidado deveria ser muito maior...” (SEVÁ
FILHO, 1997).
Este risco é assumido abertamente pela alta direção de algumas multinacionais do
petróleo, como foi o caso do então vice-presidente executivo e chefe de operações da
Zapata Corp., Sr. Thomas McIntosh, quando afirmou: “duvido que haja outra indústria que
tenha uma porcentagem mais alta de seus trabalhadores submetida a risco” (Oil and Gas
Journal, 27/06/1983, apud CHOUERI Jr., 1991).
Pode-se passar das declarações aos fatos. Citemos três grandes acidentes que
ocorreram ao longo da década de oitenta: em 1982, com a plataforma “Ocean Ranger”, no
qual sucumbiram todos os seus 84 tripulantes (CHOUERI Jr., 1991); em 1984, com a
plataforma de “Enchova”, na Bacia de Campos, vitimando 37 trabalhadores; em 1988 foi a
vez da plataforma Piper Alpha, no Mar do Norte, causando a morte de 165 dos seus 226
tripulantes (PATÉ-CORNELL, 1993).
Após este último, as companhias petrolíferas anunciaram que o montante dos gastos
em melhoria da segurança nos oito anos que se seguiram, beirou a quantia de nove bilhões
de dólares. Em contrapartida, o lucro comercial bruto destas empresas foi algo da ordem de
cento e cinco bilhões de dólares, e seu faturamento total chegou próximo dos cento e
oitenta bilhões de dólares. Diante destas quantias astronômicas, constata-se que os gastos
com segurança ao longo daquele período não chegaram a cinco por cento do faturamento
total destas empresas (WOOLFSON et alii,1996). Seria interessante saber o montante
investido em melhoria da segurança pela Petrobrás, na Bacia de Campos, após o acidente de
Enchova em 1984, e compará-lo com o faturamento total por ela auferido no decorrer
destes anos.
4 - Conclusão
Com base neste histórico, causa-nos um certo estarrecimento a postura da Gerência
de Segurança da Bacia ao insistir, via de regra, no anacronismo culpabilizante, atribuindo
aos trabalhadores (em geral as próprias vítimas) a responsabilidade dos acidentes. Estas
análises causais costumam se limitar aos fatores mais diretos e imediatos, não desvelando a
multiplicidade e as inter-relações entre os diversos fatores que propiciam a ocorrência
destes eventos (WISNER, 1994; VIDAL, 1989; PATÉ-CORNELL, 1993). Principalmente
os aspectos da organização do trabalho e as práticas gerenciais, até porque, como foi
observado na implantação do método da árvore de causas em uma usina atômica francesa,
há o receio de dar visibilidade ao papel real da média e alta gerências na gênese dos
acidentes, pelas possíveis sanções que possam advir (ALMEIDA e BINDER, 1995). SEVÁ
FILHO (1997) também chama a atenção para este ponto ao mapear a correlação de forças
entre a GESEG, o SINDIPETRO NF, e as CIPA’s das plataformas na Bacia de Campos.
No que concerne à análise de algumas catástrofes, WISNER (1994) sugere que se
vá ainda mais longe. Para tanto, propõe como ferramenta o que ele veio a denominar de
abordagem antropotecnológica.
“Assim, passamos do registro das responsabilidades funcionais dos operadores e
de seus dirigentes ao do pessoal que concebe e instala o dispositivo técnico e, depois, ao
registro das responsabilidades dos que determinam as condições econômicas e sociais - ou
até políticas - nas quais o dispositivo perigoso foi concebido, instalado e explorado.”
Também já há algum tempo a abordagem calcada na psicodinâmica do trabalho
chama a atenção para o reducionismo das políticas de segurança tradicionais. Esta
abordagem procura sublinhar a importância de se respeitar as regras elaboradas
espontaneamente no seio dos coletivos de trabalho enquanto uma estratégia de preservação
da segurança (DEJOURS e CRU, 1987).
Poderíamos ainda abordar uma série de aspectos relacionados aos riscos ambientais
(intoxicações com gás sulfídrico, emissões radioativas etc), aos riscos inerentes aos meios
de transporte utilizados (terrestre, aéreo e marítimo), aos transtornos de ordem mental
decorrentes de um tipo de organização do trabalho em que se combinam
isolamento/confinamento, trabalho em turnos, longas jornadas (doze horas) etc. Ficará para
um momento posterior, no decorrer de nossa pesquisa de doutoramento..
5 – Referências Bibliográficas
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Movimento Sindical. In: Saúde, Meio Ambiente e Condições de Trabalho. São Paulo:
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Um comentário:

  1. Gostaria de saber,quais os riscos para quem trabalha em uma empresa de petróleo e quais são a manutenção de rotinas emergências.

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